eu sinto falta de conversar. sentada numa soleira, num degrau qualquer. tomando uma caneca de chá que esfria no vento enquanto se joga conversa fora e se fala da vida, das dores, das coisas bonitas. enquanto se fica em silêncio sem sentir incômodo algum, ouvindo a mudez do instante ocupar os espaços. aquela quietude deleitosa que nos permite ouvir o farfalhar das folhas e o bater das asas dos pássaros enquanto voam de um pouso a outro.
eu sinto falta de estar perto sem olhar o relógio. de não querer discutir teoria de coisa alguma. de soltar a língua a dissertar sobre bobagens desimportantes, sorridentes, banais. esse tipo de prosa que só se pratica com quem se tem um certo nível de intimidade, uma amizade singular, uma camaradagem que vai além das superfícies, que arranha o núcleo mesmo de humanidade que guardamos para poucos, aquele que vive em nosso espaço mais protegido, guardado do mundo, guardado das claridades da vida cotidiana.
eu sinto falta de amigos que já nem sei explicar porque é que se foram pra longe e por lá permaneceram. eu sinto saudade, uma saudade agoniada, sem remédio. talvez eu sinta saudade de um pedaço de mim que tenham carregado consigo, ao ir-se embora sem despedida. talvez. é bastante possível. comer o passado sem pão de manteiga nos dentes. e há em mim tamanha fome de passado que por vezes duvido que me caiba o futuro no estômago (mas sim, caberá).
eu sinto falta de uma vida que não está mais aqui, mas algo em mim sente e sabe – sentir é saber – que assim há de ser novamente, ainda que não seja a mesma que já foi. não se pisa duas vezes no mesmo rio. eu já não sou a pessoa que sentava nas soleiras do passado, que colocava os cabelos atrás das orelhas e tomava chá com a xícara segura por entre as duas mãos. aliás, hoje eu prefiro água. ou suco.
eu sinto faltas. plurais. tomam-me de assalto e agarram-me os membros, como uma camisa de força invisível a impedir-me os movimentos. paralisada, entrego-me à letargia e me permito apenas isso: sentir. a falta. a saudade. a nostalgia. o banzo. a ausência sem nome.
finalmente, compreendo a lição: o que falta também me preenche.
o que me falta, eu também sou.